Whiplash
Débora Agel Mellem
Seria
uma insensatez criar um filme que apresenta uma relação professor-aluno,
repleta de rigidez e narcisismo, inserida num contexto musical e ainda banhada
a jazz, que prima pelo improviso? Ou seria um paradoxo a combinação entre a
violência da super exigência e a liberdade expressa no jazz?
Infelizmente
este filme tem um caráter autobiográfico, o diretor Damien Chazelle era baterista e vivenciou uma relação
traumática com um professor mega exigente. No filme Andrew Neiman (Miles
Teller), um jovem baterista de jazz depara-se com o professor Terence Fletcher
(J.K. Simmons), que exige desempenhos perfeitos de seus alunos. O andamento da
música deve ser exato e qualquer desafinação é inadmissível. Usa métodos
violentos, acreditando que deste modo formaria um músico genial como Charlie
Parker. Que equívoco! Nenhum ser humano desenvolve-se num atmosfera de cobrança
humilhante. Mas Andrew submetia-se a maltrato, para ser o escolhido de
Fletcher. Era escravo da necessidade de ser aceito e também de seus próprios
ideais. Tinha ódio de ser simplesmente humano, faltava-lhe confiança e uma
agressividade protetora. Com uma história sofrida de abandono materno, contava
com seu pai, cuja relação amorosa amplia-se no decorrer do filme, dando-lhe
sustentação para transformar suas atitudes frente à vida.
A sua criatividade lhe salvou! E o
impulso em direção ao crescimento predominou, "deu o sangue" para se
expandir. Sua relação com a música, o jazz, a bateria era vital e visceral. Este
seu interesse não existia por acaso. O jazz nasceu do canto de dor dos escravos
que vieram para a América do Norte. E
entrelaçou-se com o blues, um lamento e um anseio de libertação dos
negros, que expressavam-se através das blue notes, do swing e da improvisação. Surge
como uma dança, incluindo também a alegria.
Permitindo-me
sonhar, o jazz pode ser uma expressão criativa da vivência de falta, que habita
em todos nós. Podemos pensar na improvisação que ocorre na vida e também no
setting de uma sessão de análise. E refletir sobre a base emocional que
precisamos construir, para alcançarmos um viver criativo.
Andrew
segue um caminho doloroso até ser capaz de improvisar no palco e na vida. Ouviu
o ritmo das batidas de seu coração e se apropriou de quem ele era. O final do
filme é surpreendente e o som que ele faz é maravilhoso! Ele se entrega no
presente, está vivo, existe, é um baterista talentoso!
Whip é chicote, whiplash é algo que
se assemelha ao ruído de uma chicotada. Criar na música e na vida é transformar
uma chicotada em som.
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