VOCÊ, OS
VIVOS - Direção: Roy
Andersson- Produção: Suécia/Alemanha/França/Dinamarca/Noruega-
60 Festival de Cinema Internacional- Cultura
Mostra Seleção Oficial de Cannes
Vocês,
os Vivos rompe com a estrutura narrativa clássica para contar sua história por
meio de um mosaico de acontecimentos, composto por uma série de quadros que
ilustram situações humanas.
Por 94 minutos, acompanhamos mais
de 50 vinhetas, quase todas
apresentadas em planos-seqüência, sem cortes, com monólogos e diálogos obscuros
e, muitas vezes, perturbadores. Tudo minuciosamente coordenado e enquadrado com
uma câmera fixa, quase sempre a partir de um plano levemente elevado, nos forçando
a olhar a cena não só no
primeiro plano que acontece a ação, mas também por trás de uma riqueza de
detalhes, em uma aparente banalidade.
Acompanhadas de humor e música, situações de enganos
e desencontros são apresentadas sem que necessitem qualquer relação direta
entre si, unidas pela ocorrência no próprio espaço. Cada vinheta sustenta-se
sozinha, mas, aos poucos, algumas narrativas começam a surgir, apesar de desnecessárias:
o essencial é o que o diretor denomina de trivialismo
- pequenas ocorrências que pontuam a tragicomédia humana.
As historietas vão montando um painel da
cotidianidade urbana. A genialidade está em tratar sobre a humanidade , sem ostentação.
Perspicazmente, ela é convidada a
encenar o filme, em um movimento de pequenas cenas do dia-a-dia. Não é esse
comum que compõe a nossa vida? A simplicidade apresentada remete a uma sofisticada
apreensão da nossa existência.
Os personagens que cruzam o filme, dos mais comuns aos
mais bizarros, trazem um aspecto solitário. Eles se apresentam empalidecidos por
peculiar maquiagem e ocupam seus mundos parecendo mortos-vivos, vagando pelos
cantos, arriscando desde questões da sobrevivência diária até indagações
filosóficas na tentativa de alcançar algum sentido. Eles revelam muitos elementos que
compõem a complexidade de existir.
Ao assistir o filme transitamos entre espectadores e
protagonistas em uma flutuante condição de observar e de sermos vistos. Vocês, os vivos: Um convite para pensarmos sobre a preciosa e
precária condição humana.
Roy Andersson, o diretor, nasceu em 1943 na Suécia. Em 1960, resolveu
tornar-se cineasta e teve Ingmar Bergman como orientador.
Realizou seu primeiro filme Uma história de amor sueca (1969), longa metragem premiado. Enfrentou o
fracasso comercial e de crítica, de Giliap
(1975).
Posteriormente,
dedicou-se ao mundo dos comerciais. Com o sucesso na carreira da publicidade
fundou sua produtora e seu estúdio, o Studio
24, onde desenvolveu um estilo próprio de fazer comerciais, em geral de
longa gestação e apuro visual.
Após anos, volta à cena com a trilogia sobre a
existência: Canções do segundo andar
(2000), Vocês, os vivos (2007) e Um pombo
pousou no galho refletindo sobre a existência (2015), filmes premiados e
aclamados em todo mundo.
Renata Sarti
– SBPRP.
Cinema e Psicanálise de Franca
Artigo para o Caderno de Artes
do Jornal Comércio da Franca sobre o filme “VOCÊS, OS VIVOS”
O que dizer da
incomunicabilidade de dois amantes entrelaçados numa forma de prazer sensorial
que os acalma, enquanto se envolvem emocionalmente consigo mesmos?
O que pensar
da solidão desesperada de uma jovem adolescente que precisa urgentemente se
sentir amada por um belo músico, enquanto ele se volta para suas necessidades
de sucesso?
E da angústia
com que alguém acorda de manhã após ter tido um sonho no qual foi condenado à
morte por ter desafiado séculos de tradição e velhos hábitos?
E como falar do
desamparo de quem trabalha todos os dias junto a companheiros que estão emparedados
e surdos para uma forma mais pessoal de convivência? Ou do choro de quem não
pode compartilhar no trabalho o que acabou de viver no lar?
Estas e outras
questões corriqueiras de nosso cotidiano poderão ser refletidas por aqueles que
comparecerem à próxima sessão de “Cinema e Psicanálise de Franca”, no dia 14 de
novembro, quando será apresentado o filme “Vocês, os vivos”, do diretor sueco
Roy Andersson e que faz parte da Mostra Internacional de Cinema da Cultura. Para
comentá-lo convidamos a psicanalista da SBPRP e psicóloga, Renata Sarti.
O filme mostra
situações triviais do dia a dia com suas realidades estranhas, ainda que familiares.
Cada uma delas nos expõe ao impacto da experiência que revela um paradoxo da
condição humana – estar vivo é uma necessidade humana bem mais complexa do que
aparenta ser, pois não basta ter todas as funções vitais perfeitas ou apenas parecer
vivo.
Neste filme,
os personagens mostram os mal-entendidos que surgem quando se encontram ou
ficam juntos, mas não conseguem se comunicar. Se sentem abandonados, isolados,
traídos, esquecidos, descartados, ao serem privados da atmosfera afetiva que une,
comunica e humaniza.
A arte e a
psicanálise contemporâneas vêm explorando e investigando os processos de
vitalização e desvitalização dos modos humanos de ser e estar no mundo.
E não seria esta a razão de haver
tantos filmes e seriados atuais sobre zumbis que contagiam ou devoram os vivos,
ameaçando a humanidade inteira de se tornar uma população de mortos-vivos?
Portanto,
acredito que o diretor sueco esteja sintonizado com este fenômeno humano e,
através do filme, propõe uma reflexão essencial através de cenas condensadas e
estilizadas sobre a automatização das relações humanas numa sociedade cada vez
mais apta a sobreviver e com recursos sofisticados para ter vida longa.
A solidão e a
comunicação são duas partes vitais e complementares da personalidade humana –
dois momentos do mesmo e comovente fenômeno humano que é o “estar vivo”.
Uma
comunicação viva pressupõe haver uma rica capacidade de se estar consigo mesmo
e assim promover intimidade com privacidade. Quando alguém tenta se agarrar a
apenas um lado deste fenômeno, solidão se torna isolamento e comunicação gera
transparência e dependência excessivas.
A psicanálise
atual ampliou seu eixo principal de tornar consciente o inconsciente para o da
construção de vivências capazes de captar vida em áreas inacessíveis da mente, ampliando
a capacidade de se experimentar emoções vivas de qualquer natureza e poder
sustentá-las através do pensamento, para que o ser humano possa ter contato e
se apropriar daquilo que tem de mais vivo e verdadeiro. Sendo assim, transmitir o sentido da
experiência humana viva é nosso maior desafio e tarefa de contínuo esforço e
coragem.
Pela
complexidade inerente à vida e ao ser humano, ao tomar o cinema como fonte de
matéria prima semelhante àquela do inconsciente, a Psicanálise não lhe subtrai
o seu caráter de estranheza, mas adentra seus mistérios respeitando suas
impenetrâncias. Poderemos, desta forma, tentar extrair do próximo filme, tão
instigante, observações sobre as forças de vida e de anti-vida que nascem de
toda relação humana, principalmente quando não as conhecemos e nos acomodamos
àquelas de mais fácil trato.
Em novembro
comemoramos 7 anos de vida do “Cinema e Psicanálise” junto aos francanos, o que
nos enche de alegria e honra, pois este ninho foi construído criativamente em
nossa cidade, com o clima caloroso de casa cheia e debate intenso na maioria
das sessões, o que define a riqueza incomparável do trabalho revitalizante que
temos realizado juntos.
Venha celebrar
conosco mais um ano desta feliz parceria e conversar sobre “Nós, os vivos”!
Data e local: 14/11/15 às 15 hs,
Na Sede Campestre do Centro Médico de
Franca
Ana Márcia
Vasconcelos de Paula Rodrigues
Psicanalista da
Sociedade Bras. de Psicanálise de RP e psiquiatra.
anamarciavpr@uol.com.br
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