No último dia 4, tivemos a triste notícia de que José Ribamar Ferreira, bem mais conhecido por seu pseudônimo Ferreira Gullar, havia falecido. Aos 86 anos, carregava consigo uma história e tanto, repleta de poesias e reflexões inspiradoras.
Imagem: divulgação |
Fundador da revista A Ilha, a qual lançou o pós-modernismo no Maranhão, estado em que nasceu, Gullar ingressou no mundo da poesia para nunca mais sair. Mais tarde, participou do movimento de poesia concreta no Rio e se mostrou um poeta inovador, o que o levou a criar o neoconcretismo, movimento que ia contra o concretismo ortodoxo em busca de subjetividade e expressão.
Mas nada parecia comportar a necessidade de Gullar, de fazer uma poesia livre de amarras. Por isso, aos poucos se afastou do grupo com o qual fundara o neoconcretismo e passou a envolver-se com o Centro Popular de Cultura (CPC) ainda no começo dos anos 60. O CPC era uma organização da União Nacional dos Estudantes (UNE), um grupo de intelectuais de esquerda, que tinha como objetivo criar e divulgar uma "arte popular revolucionária". Com a ditadura militar, o CPC se desfez e Gullar, militante do Partido Comunista Brasileiro, decidiu se exilar na União Soviética, no Chile e na Argentina.
Em 1977, Gullar voltou ao Brasil e após o fim da ditadura ganhou diversos prêmios, dentre eles o Jabuti em 2011 com o livro de poesia Em alguma parte alguma.
Em homenagem a este grande poeta, Ana Márcia Vasconcelos de Paula Rodrigues, membro associado da SBPRP e atual diretora administrativa da Sociedade, escreveu o seguinte artigo:
Para homenagear Ferreira Gullar, face à sua morte, escolho duas poesias extraídas do livro Barulhos (1980-1987), que, na verdade, ressoam como finas melodias em sintonia com as verdades humanas mais íntimas.
A primeira, Despedida, oportunamente nos oferece vitalidade imaginativa para anunciar o momento da cesura da morte, que somente pode ser concebida enquanto o poeta está ferozmente ligado à vida.
DESPEDIDA
Eu deixarei o mundo com fúria
Não importa o que aparentemente aconteça,
Se docemente me retiro.
De fato
Nesse momento
Estarão de mim se arrebentando
Raízes tão fundas
Quanto estes céus brasileiros.
Num alarido de gente e ventania
Olhos que amei
Rostos amigos tardes e verões vividos
Estarão gritando a meus ouvidos
Para que eu fique
Para que eu fique.
Não chorarei.
Não há soluço maior que despedir-se da vida.
A segunda poesia é uma declaração de amor ao menino-homem com o psiquismo essencial que o define por Detrás do rosto, mas que não pode jamais existir senão de forma encorpada. O poeta canta a beleza do amor e da intimidade através da unidade corpo-mente e de um ato amoroso, poucas vezes descrito com tanta ternura. Assim opõe-se à cisão corpo-mente, tantas vezes proclamada.
DETRÁS DO ROSTO
Acho que mais me imagino
Do que sou
Ou o que sou não cabe
No que consigo ser
E apenas arde
Detrás desta máscara morena
Que já foi rosto de menino.
Conduzo
Sob minha pele
Uma fogueira de um metro e setenta de altura.
Não quero assustar ninguém.
Mas se todos escondem no sorriso
Na palavra medida
Devo dizer
Que o poeta Gullar é uma criança
Que não consegue morrer
E que pode
A qualquer momento
Desintegrar-se em soluços.
Você vai rir se lhe disser
Que estou cheio de flor e passarinho
Que nada
Do que amei na vida se acabou
E mal consigo andar
Tanto isso pesa.
Pode você calcular quantas toneladas de luz
Comporta
Um simples roçar de mãos?
Ou o doce penetrar
Na mulher amorosa?
Só disponho de meu corpo
Para operar o milagre
Esse milagre
Que a vida traz
E zás
Dissipa às gargalhadas.
Obrigada Poeta por sua generosa sensibilidade a nos alertar que "a vida é pouca e louca, mas nada há senão ela."
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