quarta-feira, 5 de junho de 2013

“Clínica da primeira infância: intervenção nas relações pais-bebês”

Por Cristiane Sampaio
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Olá,

Hoje, nós encerramos a série de entrevistas sobre o evento “A criança, o adolescente e o psicanalista”, que acontecerá nos dias 07 e 08 de Junho, no Centro Acadêmico Uniseb, em Ribeirão Preto. Deixamos para a última semana um assunto que vem gerando grande polêmica no mundo da psicologia e psicanálise, a “Clínica da primeira infância: intervenção nas relações pais-bebês”. Nossa convidada para falar sobre este assunto é a psicóloga e psicanalista, Doutora Maria Cecília Pereira da Silva, que também fara parte de uma Mesa redonda durante este grande evento.

SBPRP: A psicanálise de crianças, ao longo de sua história, deparou-se com entraves clínicos que possibilitaram o criar/recriar intervenções analíticas. A senhora poderia nos dizer um pouco sobre essas intervenções?

Dra. Maria Cecília: “Os trabalhos de intervenção nas relações iniciais pais-bebê, assim como, avaliações conjuntas pais-crianças pequenas são recursos técnicos inovadores que têm contribuído para a ampliação do campo da psicanálise infantil. Cada vez mais há uma necessidade de auxiliarmos os pais na construção de sua função parental. Acredito também que técnicas inovadoras vêm surgindo do trabalho com crianças com transtornos do espectro autista. Os avanços das pesquisas sobre indicadores de risco iniciais de autismo e as descobertas sobre a plasticidade cerebral têm ampliado as possibilidades de trabalhos preventivos com bebês/crianças muito pequenas e com seus pais, evitando a cristalização de patologias mais graves”.

S: Hoje, é possível reconhecer implicações na interação pais-bebê e possibilitar tratamentos preventivos e terapêuticos?

Dra. M.C.: “O desencontro vivido pelos pais, entre o bebê sonhado e desejado e o bebê real, é cada vez mais comum, criando dificuldades de relacionamento e de comunicação na dupla pais-bebê. Os pais optam por terem filhos mais tarde ficando assim mais distantes de suas vivências infantis. As representações coletivas atuais da infância demandam inconscientemente que estes filhos preciosos sejam perfeitos e, logo suficientemente autônomos. Ao lado disso, as solicitações externas, próprias da contemporaneidade vão ao sentido contrário das necessidades, desejos e intimidade da jovem família, e competem com a entrada no estado de preocupação materna primária[1] ou não favorecem o desenvolvimento das capacidades de rêverie e de continência maternas[2]. Diante dos desencontros afetivos entre pais e filhos, os bebês expressam sua insatisfação somatizando e reivindicando que suas necessidades sejam atendidas. E muitas vezes, os pais têm dificuldade em compreender seus bebês, projetam seus aspectos inconscientes sobre eles e sucumbem diante dos ruídos na comunicação com seus filhos.
O repertório das expectativas parentais parece insuficiente para compreender que filhos tão pequenos possam ser capazes de reclamar[3] ou mesmo de expressar alguma insatisfação de forma incisiva e veemente, o que faz com que essa comunicação seja transformada em sintoma. Por outro lado, na luta para atender o desamparo do bebê, os pais experimentam emoções primitivas desconfortáveis diante da efusiva reclamação ou somatização de seus filhos, tendo que conter a própria angústia ou projetando-a sobre o bebê. Quando encontramos ruídos na comunicação entre a criança e seus pais há fortes riscos de que se desenvolva alguma patologia no bebê.
Além das dificuldades de comunicação entre pais e seus bebês/criança pequena as configurações familiares, gestações de alto-risco (físico e psíquico), morte fetal ou pré-natal, depressão pós-parto e problemas no desenvolvimento do bebê podem demandar uma intervenção no sentido de prevenir problemas no estabelecimento dos vínculos iniciais e/ou auxiliar os pais no exercício da parentalidade.
No processo de intervenção nas relações iniciais pais-bebê, observando a interação pai-mãe-bebê, os pais são encorajados a falar sobre o bebê, sobre eles mesmos, suas famílias de origem, seu passado, sua interrelação como casal e suas repetições de conduta. Colhe-se a história do bebê desde o relacionamento de seus pais com seus próprios pais, até a concepção, nascimento, desenvolvimento e seu sintoma (Silva, 2002)[4], por meio das representações do bebê imaginário, fantasmático, cultural e real, que os progenitores, em função de sua história, têm de  seu filho (Lebovici,1986)[5].
Durante os atendimentos conjuntos com pais, bebês e crianças pequenas é possível construirmos um envelope de continência permitindo a formação de redes de sentido que oferecem um significado aos sintomas dos bebês e condensam uma série de conteúdos primitivos ainda não elaborados, mas que impingem em nossa experiência buscando representação (Mendes de Almeida & outras, 2004)[6].
Assim a Clínica 0 a 3 favorece: que os bebês ocupem um lugar próprio na mente de seus pais; que os “conflitos”, “ruídos” e “projeções” sejam nomeados e contidos, de tal forma que os aspectos inconscientes dos pais não sejam projetados sobre o bebê e que, então, os pais possam atender às necessidades de seus bebês e favorecer seu desenvolvimento emocional.
Além de ser terapêutica, a Clínica 0 a 3 é fundamentalmente uma clínica preventiva, pois permite que desencontros iniciais não se cristalizem em sintomas que demandem cuidados secundários e interfiram no desenvolvimento emocional do bebê e nos sentimentos de confiança dos pais, tão necessários para o exercício da função parental”.

S: Diante dos estudos psicanalíticos já realizados é possível dizer que existe ego no bebê e uma capacidade de diferenciação entre seus processos internos e o mundo externo?

Dra. M.C.: “Sim, hoje sabemos que o bebê nasce com muitas competências, mas depende enormemente de um ambiente ao seu entorno que favoreça seu desenvolvimento, especialmente de uma mãe/cuidador que seja capaz de compreendê-lo e conter suas angustias iniciais”.

S: Existe um conceitual psicanalítico que questiona a ideia de um modelo familiar ideal e busca indicar que o processo de tornar-se pai e tornar-se mãe é um longo percurso que se inicia muito antes do nascimento de um filho. O que a senhora pensa sobre este conceito?

Dra. M.C.: “A respeito disso vale a pena compartilhar uma lenda africana:

Existe uma tribo no leste da África na qual a arte da verdadeira intimidade (podemos chamar de vínculo) é forjada mesmo antes do nascimento. Nessa tribo a data de nascimento de uma criança não é contada a partir do dia do seu nascimento físico nem mesmo do dia da sua concepção, como em outras culturas. Para essa tribo a data de nascimento acontece na primeira vez em que a criança se constitui num pensamento na mente da mãe. Consciente de sua intenção de conceber a criança com um pai em particular, a mãe se retira para sentar-se sozinha embaixo de uma árvore.
Lá ela senta e espera até que ela possa ouvir a canção da criança que ela deseja conceber. Uma vez que ela tenha ouvido essa música, ela retorna ao seu vilarejo e a ensina para o pai para que eles possam cantá-la juntos enquanto fazem amor, convidando a criança a se juntar a eles. Depois que a criança é concebida ela canta para o bebê em seu ventre. Então ela ensina para as mulheres mais velhas e cunhadas do vilarejo, para que durante o trabalho de parto e no milagroso momento do próprio nascimento, a criança seja recepcionada com sua música. Depois do nascimento todos os cidadãos do vilarejo aprendem a música de seu novo membro e cantam para a criança quando ela cai ou se machuca. Ela é cantada em momentos de glória ou crise, em rituais e iniciações. A música se torna uma parte da cerimônia de casamento quando a criança cresce. E no final da vida seus entes queridos vão se reunir em torno de seu leito de morte entoando essa canção pela última vez.(VERNY, 1997)
Acredito sim que a parentalidade é uma função que se desenvolve interiormente quando se origina o desejo de ter um filho e na relação com ele. O bebê “faz” seus pais, assim como os pais “fazem” o bebê existir. Para além da procriação e da função biológica, a parentalidade é produto do parentesco biológico e do processo de tornar-se pai e mãe. É uma reflexão sobre a descendência que implica um complexo processo psíquico-simbólico que articula diferentes perspectivas teóricas num contexto psicossocial. O conceito de parentalidade, portanto, contém a ideia da função parental e a ideia de parentesco, e a história da origem do bebê e das gerações que precedem seu nascimento. (Silva, 2009; Solis-Ponton, 2004)
Nesse sentido, as consultas terapêuticas, buscam favorecer as condições básicas da função parental para que se estabeleça o vínculo mãe-bebê: “a mãe ter maturidade emocional suficiente para poder vivenciar todos os tipos de sentimentos suscitados pelo cuidado do bebê sem senti-los como ameaçadores, o bebê ter capacidade de solicitar o contato, a mãe ter suporte ambiental e um limite de demandas que ela possa suportar.” (Shuttleworth, 1989/1997, p. 29-30). E para que os pais sejam capazes de “gerar amor, manter a esperança, conter a dor depressiva e promover o pensar” (Meltzer; Harris, 1986/1990, p.36)”.

Gostou do tema? Então, corra para se inscrever!

As vagas são LIMITADAS e estão se esgotando. Até o evento as inscrições só serão realizadas na Sede da SBPRP (R. Ércoli Verri, 230 - Jd. Ana Maria - RP). O atendimento funcionará das 8h às 17h30, sem intervalo para almoço.
Nos vemos lá!


[1] Winnicott, D. W. (1956) Preocupação materna primária. In: Textos selecionados. Da pediatria à psicanálise. 4. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.
[2] Bion,W.R. (1962) Aprendiendo de la experiencia. México: Piados, 1991.
[3] ALVAREZ, A. (1992) Live Company: Psychoanalytic Psychotherapy with Autistic, Borderline, Deprived and Abused Children, London and New York: Tavistock/Routledge.
[4] Silva, M.C.P. (2002). Um self sem berço. Relato de uma intervenção precoce na relação pais-bebê. R B.P., 36 (3): 541-565.
[5] Lebovici, S. (1986) À propos des consultations thérapeutiques. Journal Psychanalyse de l' Enfant, 3:135-152.
[6] Mendes de Almeida, M.; Silva, M.C.P.; Marconato, M.M. (2004). Redes de sentido: evidência viva na intervenção precoce com pais e crianças. R. B. P., Vol. 38 (3): 637-648.

Um comentário:

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