Resenha “Patch Adams – o amor
é contagioso”
Escrita por: Fátima M. Cassis
R. Santos- Médica e Psicanalista-Membro Associado da S.B.P.R.P.
Publicado no Caderno Nossas
Letras do Jornal Comércio da Franca no dia 17/10/2015.
O filme “Patch Adams – o amor é contagioso” trouxe à memória
uma passagem em minha vida de estudante de medicina que muito me marcou. Meu
grupo e o professor estávamos “correndo os leitos” quando paramos em um
paciente e o professor disse: este é um suicida, ingeriu soda caustica e
começou a descrever o quadro clínico do paciente. Olhei para o paciente e vi um
fio de lágrima escorrendo em sua face que expressava uma imensa dor. Fiquei
impactada com a cena gélida. Após a visita, senti uma imensa necessidade de
conversar com ele, de saber o que estava acontecendo, como se sentia. Foi para
mim um grande aprendizado de como não abordar pessoas que estão sentindo dores,
sejam estas de qualquer natureza. Este e
outros episódios são comuns em escolas de medicina em todo o mundo. Prioriza-se
a doença, e não o doente. Divide-se o corpo e a mente. Ver o paciente como ser
humano, com uma história torna mais
complexo nosso olhar e nos faz perceber o quanto estamos no escuro, no mistério
do que nos acontece.
Em entrevista no Roda Viva da TV Cultura em 04/09/2007,
Patch Adams diz que a cada ano fica mais humilde quanto ao conceito de cura.
Acrescenta que seu trabalho não é curar e sim cuidar. Diz que seu objetivo,
quando vai a um hospital é ter um relacionamento com o doente, não curar e nem
sabe se vai ajudar. Ele diz: “ olhos nos
olhos, olhos de amor”.
Do vértice psicanalítico, também nos baseamos nas relações
intersubjetivas, amorosas, cuidadoras, principalmente para criar junto a pessoa
que estamos acompanhando, um ambiente em que possa haver desenvolvimento
emocional para se viver com mais recursos, com mais criatividade.
Baseado em fatos reais, e inspirado no livro “Gesundheit!
Good health is a laughter matter” de autoria do próprio Patch Adams e Maureen
Mylander, com direção de Tom Shadyac,
este filme de 1998, conta parte da vida de Patch Adams (vivido por Robin
Willians).
Aos 40 anos, após sua terceira tentativa de suicídio,
interna-se por conta própria, em um hospital psiquiátrico. Sentia-se totalmente
desamparado na vida, após perder o pai na guerra aos 16 anos, um tio muito
querido e uma namorada. Ao entrar em contato com sua dor, inicia
um canal de comunicação com os internos deste hospital psiquiátrico,
adentrando o mundo psíquico caótico de muitos deles. Decide sair do hospital
sem alta médica e cursar Medicina. Havia achado criativamente um caminho para
si!
Sempre questionador e pensante, se revolta com a prática
médica que vive durante sua formação médica nos anos 60. Questiona a “corrida
de leitos” sem ao menos saber o nome do paciente, a arrogância e a onipotência
da postura médica.
Inicialmente, é rejeitado por muitos colegas, afoitos que
estão em se travestirem de médicos, já no primeiro ano do curso. Aos poucos
suas ideias, seu humor, seus sentimentos de alegria e esperança vão
conquistando seus pares. Se apaixona pela colega de sala Carin Fisher (Mônica
Potter) e aos poucos vai conquistando seu coração.
Tem sede de contato humano com quem está sofrendo, e começa
a frequentar o hospital-escola desde o início do curso. Sua sensibilidade o
leva a enxergar a tristeza, a desesperança no olhar de quem está doente. Quer
amenizar dores e criativamente se veste de palhaço, faz coisas engraçadas para
trazer alegria, mas principalmente amor
a quem não os sente.
Em entrevista a revista Veja de 25/02/2004, na secção
Páginas Amarelas, Adams defende sentimentos como humor, compaixão, alegria e
esperança no tratamento de pacientes e diz que o medo dos médicos em cometer erros destrói a relação
médico-paciente. Diz ainda, a própria sociedade ajuda o médico a se colocar em
uma posição de muita onipotência, como um Deus, e toda a responsabilidade de sua cura permanece
em suas mãos. No seu entendimento, o paciente é mais responsável pela própria
recuperação do que o médico que o está tratando. Muitas vezes, continua, a solução está em casa, nos pequenos hábitos
do dia a dia.
Seu olhar humano se volta àqueles que não tem acesso à
tratamentos médicos e resolve então, ainda como estudante de medicina, a criar um hospital em um local provisório, de
nome “Instituto Gesundheit”, que em alemão quer dizer Saúde, com tratamento
humanitário e sem custo ao doente. Sua pressa o impossibilita de ver que ainda
não tem preparo médico suficiente e uma tragédia acontece. Sua namorada é
vítima de um doente mental, sendo assassinada. Este fato no filme, não coincide
com a realidade. Na verdade, quem morre é seu amigo. Desesperado, Patch Adams
resolve deixar o curso de medicina, mas logo volta atrás. Consegue terminar o
curso e compra o terreno para o futuro hospital. Atualmente, ainda não tem o
hospital dos seu sonhos e lá se vão mais de quarenta anos!
Seu pensamento reverberou na criação de muitas ONGs em todo
o mundo, preocupados em levar alento aos doentes. No Brasil há Doutores da
Alegria, Viva e deixe viver, Projeto Saúde e Alegria, entre outros.
Neste mesma entrevista, no Roda Viva, diz que o filme rendeu
40 milhões de dólares, mas não recebeu nenhuma doação para ajuda na construção
de seu sonho, mas facilitou sua vida no sentido de acesso às pessoas e com suas
apresentações, ajuda a erguer clínicas no mundo todo.
Atualmente Patch Adams e sua trupe de palhaços viajam pelo
mundo para áreas críticas, em situação de guerra, pobreza e epidemia,
espalhando alegria, amor, que segundo ele, é uma excelente forma de prevenir e
tratar muitas doenças.
Parece pouco, mas o pouco é muito neste mundo tão sedento de
olhares, gestos e sentimentos humanos como o amor. Vamos?
Tom
Shadyac
Tom Shadyac, 56, é cineasta, roteirista, produtor, humorista
e ator norte-americano com histórico filmográfico de vários sucessos: Todo
poderoso (diretor), O mistério da libélula (diretor e produtor), A volta do
todo poderoso (diretor e produtor), O mentiroso (diretor), O professor aloprado
(diretor e produtor), O professor aloprado 2 (produtor de set), Ace ventura –
um detetive diferente (diretor e roteirista), Eu os declaro marido e...Larry
(produtor), Aprovados (produtor).
Foi diretor e roteirista de Patch Adams – o amor é
contagioso, recebendo uma indicação a Oscar de melhor trilha sonora e uma
indicação do Globo de Ouro na categoria de melhor filme em comédia/musical.