terça-feira, 27 de outubro de 2015



                 Resenha “Patch Adams – o amor é contagioso”


Escrita por: Fátima M. Cassis R. Santos- Médica e Psicanalista-Membro Associado da S.B.P.R.P.
Publicado no Caderno Nossas Letras do Jornal Comércio da Franca no dia 17/10/2015.




         O filme “Patch Adams – o amor é contagioso” trouxe à memória uma passagem em minha vida de estudante de medicina que muito me marcou. Meu grupo e o professor estávamos “correndo os leitos” quando paramos em um paciente e o professor disse: este é um suicida, ingeriu soda caustica e começou a descrever o quadro clínico do paciente. Olhei para o paciente e vi um fio de lágrima escorrendo em sua face que expressava uma imensa dor. Fiquei impactada com a cena gélida. Após a visita, senti uma imensa necessidade de conversar com ele, de saber o que estava acontecendo, como se sentia. Foi para mim um grande aprendizado de como não abordar pessoas que estão sentindo dores, sejam estas de qualquer natureza.  Este e outros episódios são comuns em escolas de medicina em todo o mundo. Prioriza-se a doença, e não o doente. Divide-se o corpo e a mente. Ver o paciente como ser humano, com uma história  torna mais complexo nosso olhar e nos faz perceber o quanto estamos no escuro, no mistério do que nos acontece.
         Em entrevista no Roda Viva da TV Cultura em 04/09/2007, Patch Adams diz que a cada ano fica mais humilde quanto ao conceito de cura. Acrescenta que seu trabalho não é curar e sim cuidar. Diz que seu objetivo, quando vai a um hospital é ter um relacionamento com o doente, não curar e nem sabe se vai ajudar.  Ele diz: “ olhos nos olhos, olhos de amor”.
         Do vértice psicanalítico, também nos baseamos nas relações intersubjetivas, amorosas, cuidadoras, principalmente para criar junto a pessoa que estamos acompanhando, um ambiente em que possa haver desenvolvimento emocional para se viver com mais recursos, com mais criatividade.
         Baseado em fatos reais, e inspirado no livro “Gesundheit! Good health is a laughter matter” de autoria do próprio Patch Adams e Maureen Mylander,  com direção de Tom Shadyac, este filme de 1998, conta parte da vida de Patch Adams (vivido por Robin Willians).
         Aos 40 anos, após sua terceira tentativa de suicídio, interna-se por conta própria, em um hospital psiquiátrico. Sentia-se totalmente desamparado na vida, após perder o pai na guerra aos 16 anos, um tio muito querido e uma namorada. Ao entrar em contato com sua dor,  inicia  um canal de comunicação com os internos deste hospital psiquiátrico, adentrando o mundo psíquico caótico de muitos deles. Decide sair do hospital sem alta médica e cursar Medicina. Havia achado criativamente um caminho para si! 
         Sempre questionador e pensante, se revolta com a prática médica que vive durante sua formação médica nos anos 60. Questiona a “corrida de leitos” sem ao menos saber o nome do paciente, a arrogância e a onipotência da postura médica.
         Inicialmente, é rejeitado por muitos colegas, afoitos que estão em se travestirem de médicos, já no primeiro ano do curso. Aos poucos suas ideias, seu humor, seus sentimentos de alegria e esperança vão conquistando seus pares. Se apaixona pela colega de sala Carin Fisher (Mônica Potter) e aos poucos vai conquistando seu coração.
         Tem sede de contato humano com quem está sofrendo, e começa a frequentar o hospital-escola desde o início do curso. Sua sensibilidade o leva a enxergar a tristeza, a desesperança no olhar de quem está doente. Quer amenizar dores e criativamente se veste de palhaço, faz coisas engraçadas para trazer alegria, mas principalmente amor  a quem não os sente.
         Em entrevista a revista Veja de 25/02/2004, na secção Páginas Amarelas, Adams defende sentimentos como humor, compaixão, alegria e esperança no tratamento de pacientes e diz que o medo dos médicos em  cometer erros destrói a relação médico-paciente. Diz ainda, a própria sociedade ajuda o médico a se colocar em uma posição de muita onipotência, como um Deus, e  toda a responsabilidade de sua cura permanece em suas mãos. No seu entendimento, o paciente é mais responsável pela própria recuperação do que o médico que o está tratando. Muitas vezes, continua,  a solução está em casa, nos pequenos hábitos do dia a dia.
         Seu olhar humano se volta àqueles que não tem acesso à tratamentos médicos e resolve então, ainda como estudante de medicina, a  criar um hospital em um local provisório, de nome “Instituto Gesundheit”, que em alemão quer dizer Saúde, com tratamento humanitário e sem custo ao doente. Sua pressa o impossibilita de ver que ainda não tem preparo médico suficiente e uma tragédia acontece. Sua namorada é vítima de um doente mental, sendo assassinada. Este fato no filme, não coincide com a realidade. Na verdade, quem morre é seu amigo. Desesperado, Patch Adams resolve deixar o curso de medicina, mas logo volta atrás. Consegue terminar o curso e compra o terreno para o futuro hospital. Atualmente, ainda não tem o hospital dos seu sonhos e lá se vão mais de quarenta anos!
         Seu pensamento reverberou na criação de muitas ONGs em todo o mundo, preocupados em levar alento aos doentes. No Brasil há Doutores da Alegria, Viva e deixe viver, Projeto Saúde e Alegria, entre outros.
         Neste mesma entrevista, no Roda Viva, diz que o filme rendeu 40 milhões de dólares, mas não recebeu nenhuma doação para ajuda na construção de seu sonho, mas facilitou sua vida no sentido de acesso às pessoas e com suas apresentações, ajuda a erguer clínicas no mundo todo.
         Atualmente Patch Adams e sua trupe de palhaços viajam pelo mundo para áreas críticas, em situação de guerra, pobreza e epidemia, espalhando alegria, amor, que segundo ele, é uma excelente forma de prevenir e tratar muitas doenças.
         Parece pouco, mas o pouco é muito neste mundo tão sedento de olhares, gestos e sentimentos humanos como o amor. Vamos?
        

                                            Tom Shadyac

         Tom Shadyac, 56, é cineasta, roteirista, produtor, humorista e ator norte-americano com histórico filmográfico de vários sucessos: Todo poderoso (diretor), O mistério da libélula (diretor e produtor), A volta do todo poderoso (diretor e produtor), O mentiroso (diretor), O professor aloprado (diretor e produtor), O professor aloprado 2 (produtor de set), Ace ventura – um detetive diferente (diretor e roteirista), Eu os declaro marido e...Larry (produtor), Aprovados (produtor).
         Foi diretor e roteirista de Patch Adams – o amor é contagioso, recebendo uma indicação a Oscar de melhor trilha sonora e uma indicação do Globo de Ouro na categoria de melhor filme em comédia/musical.

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