quinta-feira, 2 de abril de 2015

HER

Her é um belíssimo filme do Diretor Spike Jonze, premiado pelo Oscar de 2014 como Melhor Roteiro Original.
Mais que ser traduzido como ‘Ela’, seu título original _ por isso o mantenho _ nos remete a um pronome possessivo, que condensa todo o enredo.
Theodore Twombly (personagem interpretado pelo ator Joaquin Phoenix) trabalha em um site que confecciona cartas manuscritas (com a exata letra do remetente) solicitadas por clientes (que não o conhecem pessoalmente) que desejam ofertá-las a alguém. Manuscritas... Mas pelo computador, já que Theodore não precisa encostar um só dedo no teclado, assim como quase não encosta em algo ou alguém por onde quer que passe.
Todos os dias ele fala _ na redação dessas cartas _ sobre o amor, sobre situações boas e conflitivas do passado, desejos presentes e expectativas para o futuro sem, no entanto, oferecer ouvir-se em suas reflexões sobre essas questões.
Enfrentando um processo de divórcio com Catherine (personagem da atriz Rooney Mara), Theodore passa os dias a seguir uma rotina mecânica, em um grande centro urbano, com milhares de transeuntes, envolto nas brumas da solidão. Solidão esta que tenta ser aplainada no refúgio propagandeado pela tecnologia. Cidadãos circulando, sorrindo para pessoas que não estão ali, e sim, àquelas com quem conversam, remontadas na mente, através do celular que portam. Não há o trazer-se para o ‘aqui e agora’ de forma a se poder des-cobrir quem está à sua frente... olhos nos olhos, um cumprimento qualquer...
Para organizar melhor suas tarefas Theodore adquire um novo software, um sistema operacional que promete ser mais inteligente e personalizado. Ao configurá-lo, ele responde a algumas perguntas como: “Prefere voz de homem ou de mulher”? ... e: “Como era sua relação com sua mãe”?
Escolhe que tenha voz feminina (vivida pela atriz Scarlett Johansson) e esta escolhe nomear-se Samantha (que etimologicamente, em Aramaico, significa: “aquela que tão bem sabe escutar”). Dentro dessa definição, pergunto: “Quem não sonha encontrar um interlocutor que o faça sentir-se acolhido, entendido, compreendido”?
A partir daí Theodore passa a ter uma colaboradora disponível em tempo integral, que não erra, não esquece, dá boas sugestões, faz boas escolhas, além de ser engraçada, afável e... suspira! _ um ato puramente humano, uma ‘respiração com sentimento’. Uma ‘personagem tridimensional’ sem aparecer em cena.
Uma mulher que mais e mais vai sendo construída, não na rede (net) de um sistema, de um aparelho eletrônico, mas sim, na rede afetiva e imaginativa de um aparelho mental, psíquico.
Her nos propõe investigar e questionar quais seriam as novas formas de construção da subjetividade em nossa contemporaneidade.
Como uma propaganda que dizia: “Você nasceu para ser digital”! _ vivemos a intensificação da utilização de aparelhos disciplinares como extensões do próprio corpo: reconstituem ou substituem uma parte perdida deste; ‘armazenam memórias’, organizam o dia a dia; fazem aproximar-se de pessoas que podem estar a milhares de quilômetros de distância... Estendendo-se para além de nossa percepção, passam a orientar também internamente nossas práticas diárias comuns, por meio dessas ‘teias’ (web) invisíveis que, no entanto, nos prendem tão bem.
Nosso imaginário é constituído de mitos que parecem evocar sonhos: de corpos tecnologicamente aperfeiçoados; inteligências artificiais; dissolução entre o orgânico e o inorgânico (vide filme Lucy, 2014 – direção Luc Besson); superação de limites humanos; da ubigüidade dos alcances tecnológicos; da digitalização do self; apontando um desejo de fuga do tempo e do espaço presentes, e de poder manipular a realidade onde se está inserido.
Modelos tecnobiológicos, desencadeando um movimento de ‘naturalização tecnológica da imagem’  _ vide fotoshops; games onde cria-se seu personagem; facebook; sites de papo,... _ favorecem a emersão de um ‘duplo’ cada vez mais em conformidade a seu modelo referente _ o ser humano _ inclusive aos seus ‘desejos’. “Sou eu, mas não sou eu. É um outro-eu que se serve do meu-eu para funcionar como meu-próprio-eu”!    
Trata-se da questão do visível e do oculto celebrando o prazer da possibilidade da construção virtual de ‘um outro-corpo’, um ‘outro-eu’, o ‘corpo duplo’... ‘Como se’ assim houvesse a sensação da obtenção do controle de seu próprio corpo, de manipular outrem e dominar o desconhecido que há em si.
Jonze, para nos trazer tantas questões que nos constroem enquanto humanos, em nossas relações, usa como fio condutor os recursos tecnológicos que temos eleito. Estes trazem a crença: nos poderes ilimitados, que aproximarão do prazer e afastarão do desprazer...
E nos faz nascer... Samantha!... Não só um software, mas um objeto de amor a Theodore.
O amor entre um homem tão robotizado em suas atitudes e uma máquina que parece humanizar-se em modalidades de voz delineadas no medo, insegurança, alegria, indiferença,...
Samantha, como uma mãe, vai ‘dando voz’ aos desejos de completude, de querer conhecer, de Theodore, nomeando seus sentimentos e reassegurando-lhe o valor do que sente, sendo-lhe quase um espelho.
Como Theodore, no começo do filme, dá voz aos sentimentos daqueles que buscam seu serviço, utilizando palavras colocadas adequadamente que, no entanto, não têm o ‘lastro’ dos afetos verdadeiros.
Theodore vive a experiência do retorno ao ‘Paraíso Perdido’, um dia provado em sua relação com sua mãe, enquanto bebê: “Era apenas você e eu. Tudo o mais simplesmente desapareceu. E eu adorei isso”!!!
Mas vai perceber com a passagem do tempo que, como em qualquer relação, é difícil entender e assimilar os sentimentos e vontades do outro, mesmo sendo este um ‘ser’ virtual.
Às vezes colocamos a intimidade que buscamos, para além do arco íris... Enquanto podíamos achá-la tão perto...
E ela, também se decompõe, em várias cores e... nem todas são rosa!
Her nos ensina que somos seres viciados por tecnologia, mas... ainda tão cheios de amor por bilhetes escritos verdadeiramente à mão!

Patrícia Rodella de Andrade Tittoto

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