HER
Her
é um belíssimo filme do Diretor Spike Jonze, premiado pelo Oscar de 2014 como
Melhor Roteiro Original.
Mais
que ser traduzido como ‘Ela’, seu título original _ por isso o mantenho _ nos
remete a um pronome possessivo, que condensa todo o enredo.
Theodore Twombly (personagem interpretado pelo ator Joaquin Phoenix)
trabalha em um site que confecciona cartas manuscritas (com a exata letra do
remetente) solicitadas por clientes (que não o conhecem pessoalmente) que
desejam ofertá-las a alguém. Manuscritas... Mas pelo computador, já que
Theodore não precisa encostar um só dedo no teclado, assim como quase não
encosta em algo ou alguém por onde quer que passe.
Todos os dias ele fala _ na redação dessas cartas _ sobre o amor, sobre
situações boas e conflitivas do passado, desejos presentes e expectativas para
o futuro sem, no entanto, oferecer ouvir-se em suas reflexões sobre essas
questões.
Enfrentando um processo de
divórcio com Catherine (personagem da atriz Rooney Mara), Theodore passa os
dias a seguir uma rotina mecânica, em um grande centro
urbano, com milhares de transeuntes, envolto nas brumas da solidão. Solidão
esta que tenta ser aplainada no refúgio propagandeado pela tecnologia. Cidadãos
circulando, sorrindo para pessoas que não estão ali, e sim, àquelas com quem
conversam, remontadas na mente, através do celular que portam. Não há o
trazer-se para o ‘aqui e agora’ de forma a se poder des-cobrir quem está à sua
frente... olhos nos olhos, um cumprimento qualquer...
Para organizar melhor suas tarefas Theodore adquire um novo software, um
sistema operacional que promete ser mais inteligente e personalizado. Ao
configurá-lo, ele responde a algumas perguntas como: “Prefere voz de homem ou
de mulher”? ... e: “Como era sua relação com sua mãe”?
Escolhe que tenha voz feminina (vivida pela atriz Scarlett Johansson) e
esta escolhe nomear-se Samantha (que
etimologicamente, em Aramaico, significa: “aquela que tão bem sabe escutar”).
Dentro dessa definição, pergunto: “Quem não sonha encontrar um interlocutor que
o faça sentir-se acolhido, entendido, compreendido”?
A partir daí Theodore passa a ter uma colaboradora
disponível em tempo integral, que não erra, não esquece, dá boas sugestões, faz
boas escolhas, além de ser engraçada, afável e... suspira! _ um ato puramente
humano, uma ‘respiração com sentimento’. Uma ‘personagem tridimensional’ sem
aparecer em cena.
Uma mulher que mais e mais vai sendo construída, não na rede (net) de um sistema, de um aparelho eletrônico,
mas sim, na rede afetiva e imaginativa
de um aparelho mental, psíquico.
Her nos propõe
investigar e questionar quais seriam
as novas formas de construção da subjetividade em nossa contemporaneidade.
Como uma propaganda que dizia: “Você
nasceu para ser digital”! _ vivemos a intensificação da utilização de
aparelhos disciplinares como extensões do próprio corpo: reconstituem ou substituem
uma parte perdida deste; ‘armazenam memórias’, organizam o dia a dia; fazem
aproximar-se de pessoas que podem estar a milhares de quilômetros de
distância... Estendendo-se para além de nossa percepção, passam a orientar
também internamente nossas práticas diárias comuns, por meio dessas ‘teias’ (web) invisíveis que, no entanto, nos
prendem tão bem.
Nosso imaginário é constituído de mitos que parecem evocar sonhos: de
corpos tecnologicamente aperfeiçoados; inteligências artificiais; dissolução
entre o orgânico e o inorgânico (vide filme Lucy,
2014 – direção Luc Besson); superação de limites humanos; da ubigüidade dos
alcances tecnológicos; da digitalização do self;
apontando um desejo de fuga do tempo e do espaço presentes, e de poder
manipular a realidade onde se está inserido.
Modelos tecnobiológicos, desencadeando um movimento de ‘naturalização
tecnológica da imagem’ _ vide fotoshops; games onde cria-se seu personagem; facebook; sites de papo,... _
favorecem a emersão de um ‘duplo’
cada vez mais em conformidade a seu modelo referente _ o ser humano _ inclusive
aos seus ‘desejos’. “Sou eu, mas não sou
eu. É um outro-eu que se serve do meu-eu para funcionar como meu-próprio-eu”!
Trata-se da questão do visível e do oculto celebrando o prazer da
possibilidade da construção virtual de ‘um
outro-corpo’, um ‘outro-eu’, o ‘corpo duplo’... ‘Como se’ assim
houvesse a sensação da obtenção do controle de seu próprio corpo, de manipular
outrem e dominar o desconhecido que há em si.
Jonze, para nos trazer tantas questões que nos constroem enquanto
humanos, em nossas relações, usa como fio condutor os recursos tecnológicos que
temos eleito. Estes trazem a crença: nos poderes ilimitados, que aproximarão do
prazer e afastarão do desprazer...
E nos faz nascer... Samantha!... Não só um software, mas um objeto de
amor a Theodore.
O amor entre um homem tão robotizado em suas atitudes e uma máquina que
parece humanizar-se em modalidades de voz delineadas no medo, insegurança,
alegria, indiferença,...
Samantha, como uma mãe, vai ‘dando
voz’ aos desejos de completude, de querer conhecer, de Theodore, nomeando seus
sentimentos e reassegurando-lhe o valor do que sente, sendo-lhe quase um
espelho.
Como Theodore, no começo do filme, dá voz aos sentimentos daqueles que
buscam seu serviço, utilizando palavras colocadas adequadamente que, no
entanto, não têm o ‘lastro’ dos afetos verdadeiros.
Theodore vive a experiência do retorno ao ‘Paraíso Perdido’, um dia
provado em sua relação com sua mãe, enquanto bebê: “Era apenas você e eu. Tudo
o mais simplesmente desapareceu. E eu adorei isso”!!!
Mas vai perceber com
a passagem do tempo que, como em qualquer relação, é difícil entender e
assimilar os sentimentos e vontades do outro, mesmo sendo este um ‘ser’
virtual.
Às vezes colocamos a
intimidade que buscamos, para além do arco íris... Enquanto podíamos achá-la
tão perto...
E ela, também se
decompõe, em várias cores e... nem todas são rosa!
Her nos ensina que somos seres viciados por
tecnologia, mas... ainda tão cheios de amor por bilhetes escritos
verdadeiramente à mão!
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