Será que nascemos todos Pinóquios?
Uma mulher de 40
anos entra na sala de análise com uma revista onde tem a figura de uma
marionete e diz: - Esta sou eu!
Surge na mente
da analista à história do Pinóquio, o boneco de madeira que sonha um dia, ser
um menino de verdade e que pode ser também um modelo rico para pensarmos alguns
fenômenos atuais da clínica psicanalítica.
Na ficcção,
Pinóquio “nasce”, ganha “vida”, começa a ter movimentos independentes, mas
continua uma marionete, mesmo sem a presença dos fios. Ele é constantemente
influenciado pelos estímulos externos e internos, reage a eles sem a
possibilidade de sonhar e pensar, sem possibilidade de ser de verdade.
Seria esta a nossa condição básica?
Nascemos com algumas características
impressas como uma madeira que traz em si a história de sua constituição?
Somos muitas vezes manipulados e usados pelo mundo interno e externo?
Acreditamos que
somente no aprender com a experiência emocional, na relação viva com uma outra
mente, é que nascemos enquanto ser psíquico e começamos a existir. Pinóquio
tinha uma ânsia em se tornar logo um menino de verdade e pedia que a fada azul,
magicamente, o transformasse em um.
Assim chegam
nossos pacientes, procurando sentido, com ânsia de existência, mas muitas vezes
esperando da “fada azul-psicanalista” uma transformação mágica e sem dor. Até
mesmo porque ainda não entendem a diferença entre estar vivo e existir, entre
ter pensamentos e pensar pensamentos.
A busca de saber
quem somos de verdade e de transformações que nos aproximem do nosso eu
verdadeiro, o mais humano possível, passa pelas experiências vividas e
transformadas.
Nascemos todos
Pinóquio, originalmente de matéria bruta, com pensamentos inconscientes nunca
pensados, os quais aguardam a companhia de uma outra mente para pensá-los.
Pinóquio
nasce desta matéria e durante seu percurso em busca do tornar-se um menino de
verdade, passa por situações que muitas vezes eram definidas como mentira, seu
nariz crescia e ficou conhecido como um personagem relacionado ao conceito da
mentira.
Será que Pinóquio mentia, ou não sabia o que
era ser de verdade?
Este é um
questionamento importante para expandir nossa condição de acompanhar nossos
pacientes em histórias que muitas vezes parecem criações fantásticas,
imitações, estados alucinados. Mas que na realidade, são estados ligados ao
impedimento de pensar. A verdade seria o impedimento de pensar do menino, que
incapaz de pensar não pode se aproximar da verdade psíquica.
A personagem
fada azul tem uma participação muito importante nesta história, ela
inicialmente é uma figura idealizada que poderia transformar Pinóquio em um
menino de verdade. Entretanto, durante toda a história ela será a mente
continente que entra em cena e assume seu posto como precursora ou como
facilitadora e promotora de desenvolvimento da mente incipiente do boneco.
Oferecendo sua “varinha-função alfa”, ela é uma companhia viva na trajetória de
Pinóquio no vir a ser um menino de verdade.
A partir destas
idéias, as autoras fizeram uma reflexão sobre a relação entre Pinóquio e a fada
azul, e a transformação de boneco em menino de verdade, traçando um paralelo
com a relação analítica. Esta transformação , onde o paciente esta no processo
de vir a ser mais plenamente e o analista esta conhecendo a pessoa que o
paciente está se tornando através da experiência compartilhada e vivida entre
paciente - analista - verdade.
Todos nascemos
Pinóquio, com pensamentos e verdades que esperam companhia para torná-los
toleráveis, possíveis de pensamento e existência. Desenvolver o aparelho de
pensar, liberta a dor e percebemos que o desenvolvimento da condição de pensar
os pensamentos é um processo LIBERTADOR.
“A visão
emocional compartilhada, vivencia-se uma sensação de estar com a verdade.”
(Bion 1962/1994, p. 137).
Carla Cristina
Pierre Bellodi (Membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de
Ribeirão Preto, Psicóloga)
Marta Maria Daud
(Membro filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto,
Psicóloga)
Trabalho Premiado em primeiro lugar no Congresso da OCAL(Organização dos
Candidatos da América Latina) INTEGRAÇÃO,
DIVERSIDADE E DESENVOLVIMENTO, em 03 de setembro de 2014, em Buenos Aires.