Editorial
“Assim como em todas as formas de
arte, quando estudamos um filme, estudamos a nós mesmos” (Gabbard, 1997, p. 433).
Em 1895, a publicação
de Estudos sobre a histeria, por
Freud e Breuer, dava início à nova ciência da Psicanálise. No mesmo ano, os
irmãos Lumière patentearam e demonstraram o cinematógrafo com a exibição de Chegada de um trem à estação, inaugurando
aquela que, em 1912, seria descrita pelo intelectual italiano Riccioto Canudo
como a sétima arte, ou, a arte-síntese
de todas as outras: o Cinema. Não demorou muito para que essas duas disciplinas,
que hoje ocupam um lugar central na cultura, se aproximassem e estabelecessem
uma relação de afinidade que perpassaria todo o século XX, chegando à
contemporaneidade numa interlocução que cada vez mais rende contribuições a
ambas.
É grande o número de publicações,
entre livros e revistas especializadas, que abordam os diversos aspectos da
relação entre a Psicanálise e o Cinema por pensadores de vários campos da
cultura, como o filósofo Walter Benjamin e o historiador Román Gubern, para
citar dois dos mais produtivos no assunto. Entre os autores da Psicanálise, também
hoje encontramos uma gama de ensaios, artigos e obras em que as aproximações
com o Cinema, seja em relação à sua equivalência morfológica, seja pela leitura
de filmes através da óptica psicanalítica, além de outras abordagens, vêm despertando o interesse do público de maneira significativa.
Acompanhamos ainda o crescente
espaço que esse diálogo interdisciplinar tem ocupado em jornadas e congressos
de Psicanálise, a exemplo do recente Congresso da Federação Psicanalítica da
América Latina (FEPAL), realizado em setembro, em Buenos Aires, que contemplou
em seu Programa Científico o I Encontro
Latinoamericano de Cinema e Psicanálise, organizado em parceria de sua
Comissão de Comunidade e Cultura e a Fundación Universidad del Cine (FUC).
Através de quatro oficinas simultâneas, integradas por psicanalistas e
destacados críticos e cineastas convidados, foram discutidos temas instigantes
como “Poder e violência na cena”, “Os tempos da vida”, “Identidade, criação,
personagens” e “Subjetividade e Cultura”.
A edição da Berggasse 19 que ora
apresentamos, inteiramente dedicada ao tema “Cinema & Psicanálise”, visa
não só à participação nesse contexto de interação entre as duas áreas, mas
principalmente a homenagear os 15 anos do C&P, atividade promovida pela Sociedade
Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto que, desde seu início, arrebata o
interesse da comunidade ribeirão-pretana e hoje conta com vários projetos
espalhados pela cidade e, atravessando as fronteiras, alcançou as vizinhas
cidades de Franca, Jaboticabal e São Carlos. Uma forma, também, de agraciar
nosso público cativo com esta produção escrita, cuja participação efetiva nos
fomenta o rico trabalho de apresentar o “modo psicanalítico de pensar” através
de filmes, bem como nossa capacidade onírica para a melhor apreensão daquilo
que observamos na clínica.
Sabendo que atividades como esta
atualmente acontecem em muitas outras instituições psicanalíticas, estendemos o convite para o envio
de artigos a todos os colegas, membros das Sociedades e Grupos de Estudos
componentes da Federação Brasileira de Psicanálise, e a resposta positiva muito
nos alegrou: recebemos inúmeros trabalhos, dos quais, com a participação do
nosso corpo de pareceristas, selecionamos 11 para esta edição e criamos a
sessão “Cinema & Psicanálise”, onde, a partir do próximo número,
continuaremos a publicar autores interessados no tema.
Agradecemos aos autores que, com seus textos aqui publicados, certamente
apresentam discussões estimulantes a analistas e cinéfilos: Anette Blaya Luz, Silvana
Rea, Nara Amália Caron & Rita Sobreira Lopes, Suad Haddad de Andrade,
Silvana Vassimon, Izelinda Garcia de Barros, Péricles Pinheiro Machado Jr. &
Belinda Piltcher Haber Mandelbaum, Luiz Celso de Castro Toledo, Ana Regina
Morandini Caldeira, Cybelli Morello Labatte, e Luiz Moreno Guimarães &
Thiago Emanuel Luzzi.
Na
sessão Resenha, apresentamos os ricos
comentários de Luciano Bonfante sobre o livro Lanterna Mágica – autobiografia de Ingmar Bergman.
Por fim, não deixem de apreciar a entrevista
com Leopold Nosek, psicanalista da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e diretor executivo da
Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) que, em conversa bastante interessante com
a coeditora da Berggasse 19, Maria Bernadete Amêndola Contart de Assis, fala
sobre arte, Cinema, Psicanálise e Cinema & Psicanálise.
A
todos, uma boa leitura!
Rosângela Faria
Editora
Referência
Gabbard, G. O. (1997). The
psychoanalyst at the movies. The
International Journal of Psychoanalysis. Vol. 78 (p. 429-434).