quinta-feira, 3 de novembro de 2016

“Um escritor não escreve, ele inscreve, inaugura, instaura, funda”, disse Marcelino Freire em palestra organizada pela AMFIP na última sexta-feira. É assim, brincando com as palavras, que Marcelino encanta com sua escrita. E com a fala também, afinal manteve a plateia envolvida em suas estórias e declarações por quase duas horas. A proposta era falar sobre sua trajetória literária e a influência de outros autores em sua obra e assim o fez com maestria.

(Imagem: Carolina Rodrigues)
Marcelino é escritor e poeta pernambucano, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura de 2006 com sua obra Contos Negreiros. Também é autor de Angu de Sangue (2000), BaléRale (2005), Nosso Ossos (2013), entre outros. A verdade é que tudo começou lá trás, nos anos 90, quando Marcelino passou a brincar de enxergar palavras dentro de palavras e publicou EraOdito (2002) a fim de levantar fundos para a publicação de Angu de Sangue.




(Imagens: reprodução)

A brincadeira foi um sucesso, o livro vendeu bastante e a carreira de Marcelino estava apenas começando. Ele afirma e dá risada: “eu acho que escrevo porque não tenho o que fazer, fico pensando palavra dentro de palavra. Essa é a natureza do meu trabalho inteiro, eu quero ver o que está escrito nas entrelinhas”. Bem, neste caso, não ter o que fazer resultou e ainda resulta em uma obra ao mesmo tempo divertida e extremamente provocadora, não é mesmo?

Tal provocação vem, sem dúvidas, do senso crítico que Marcelino aprimorou durante todos esses anos. Ainda criança, ao ler “O bicho” de Manuel Bandeira, enxergou a vida com outros olhos, passou a se expressar com uma linguagem singular e a retratar muito do que viveu no Nordeste.

O escritor nasceu em Sertânia (PE), mudou-se para Paulo Afonso (BA) aos 3 anos, para Recife (PE) aos 8 e para São Paulo capital aos 24. Ele afirma que “esse não lugar, essa espécie de deslocamento” faz parte de seu trabalho, inclusive da brincadeira com as palavras, e pede: “por favor, não leia uma palavra minha apenas com um sentido único, pois ela está em permanente movimento, permanente migração” - assim como ele, assim como o povo nordestino.

Em sua obra também estão muito presentes as figuras de seus pais. Sua mãe sempre faladora, sofredora, insatisfeita com a vida. Seu pai sempre quieto, em silêncio profundo, calculando a hora certa de dizer a coisa certa. Tais influências resultaram em um conjunto de obras de crítica social e beleza única, como quem faz da dor e do sofrimento, literalmente, poesia e inspiração. Seu primeiro texto já expressava tudo isso, mesmo que inconscientemente: intitulado Muribeca (presente em Angu de Sangue), retrata a realidade das pessoas que catam lixo neste bairro e fazem dele o paraíso.

Além de Manuel Bandeira, teve grande influência de escritores como Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos, Graciliano Ramos. Mas sabe que a inspiração não veio só dos livros e cita Belchior. “Belchior me disse coisas que eu precisava ouvir para sair da fila do matadouro que colocam a gente. Esses artistas me pegaram pela mão, aqui e ali, e me levaram para um outro lugar”, reflete. Diz concordar plenamente com a afirmação de Freud: “quando a gente chega a algum lugar, um poeta chegou antes”.

Por tudo isso, Marcelino pode afirmar com convicção e orgulho que, mais do que dar voz a essas pessoas (seu pai, sua mãe, os nordestinos em sofrimento e migração constantes) ele escreve para compactuar com essas falas e gritos, que mesmo em silêncio dizem muita, mas muita coisa.

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Para acessar todas as fotos do evento, basta clicar no link: goo.gl/Z3kNFT

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