“Um
escritor não escreve, ele inscreve, inaugura, instaura, funda”, disse Marcelino
Freire em palestra organizada pela AMFIP na última sexta-feira. É assim,
brincando com as palavras, que Marcelino encanta com sua escrita. E com a fala
também, afinal manteve a plateia envolvida em suas estórias e declarações por
quase duas horas. A proposta era falar sobre sua trajetória literária e a
influência de outros autores em sua obra e assim o fez com maestria.
(Imagem: Carolina Rodrigues) |
Marcelino
é escritor e poeta pernambucano, vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura de
2006 com sua obra Contos Negreiros.
Também é autor de Angu de Sangue
(2000), BaléRale (2005), Nosso Ossos (2013), entre outros. A
verdade é que tudo começou lá trás, nos anos 90, quando Marcelino passou a
brincar de enxergar palavras dentro de palavras e publicou EraOdito (2002) a fim de levantar fundos para a publicação de Angu de Sangue.
(Imagens: reprodução) |
A
brincadeira foi um sucesso, o livro vendeu bastante e a carreira de Marcelino
estava apenas começando. Ele afirma e dá risada: “eu acho que escrevo porque
não tenho o que fazer, fico pensando palavra dentro de palavra. Essa é a
natureza do meu trabalho inteiro, eu quero ver o que está escrito nas
entrelinhas”. Bem, neste caso, não ter o que fazer resultou e ainda resulta em
uma obra ao mesmo tempo divertida e extremamente provocadora, não é mesmo?
Tal
provocação vem, sem dúvidas, do senso crítico que Marcelino aprimorou durante
todos esses anos. Ainda criança, ao ler “O bicho” de Manuel Bandeira, enxergou
a vida com outros olhos, passou a se expressar com uma linguagem singular e a
retratar muito do que viveu no Nordeste.
O
escritor nasceu em Sertânia (PE), mudou-se para Paulo Afonso (BA) aos 3 anos,
para Recife (PE) aos 8 e para São Paulo capital aos 24. Ele afirma que “esse
não lugar, essa espécie de deslocamento” faz parte de seu trabalho, inclusive
da brincadeira com as palavras, e pede: “por favor, não leia uma palavra minha
apenas com um sentido único, pois ela está em permanente movimento, permanente
migração” - assim como ele, assim como o povo nordestino.
Em
sua obra também estão muito presentes as figuras de seus pais. Sua mãe sempre
faladora, sofredora, insatisfeita com a vida. Seu pai sempre quieto, em silêncio
profundo, calculando a hora certa de dizer a coisa certa. Tais influências
resultaram em um conjunto de obras de crítica social e beleza única, como quem
faz da dor e do sofrimento, literalmente, poesia e inspiração. Seu primeiro
texto já expressava tudo isso, mesmo que inconscientemente: intitulado Muribeca (presente em Angu de Sangue), retrata a realidade das
pessoas que catam lixo neste bairro e fazem dele o paraíso.
Além
de Manuel Bandeira, teve grande influência de escritores como Cecília Meireles,
João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos, Graciliano Ramos. Mas sabe que a
inspiração não veio só dos livros e cita Belchior. “Belchior me disse coisas
que eu precisava ouvir para sair da fila do matadouro que colocam a gente.
Esses artistas me pegaram pela mão, aqui e ali, e me levaram para um outro
lugar”, reflete. Diz concordar plenamente com a afirmação de Freud: “quando a gente chega a algum lugar,
um poeta chegou antes”.
Por tudo isso, Marcelino pode afirmar com
convicção e orgulho que, mais do que dar voz a essas pessoas (seu pai, sua mãe,
os nordestinos em sofrimento e migração constantes) ele escreve para compactuar
com essas falas e gritos, que mesmo em silêncio dizem muita, mas muita coisa.
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