“Explosão”
Clarice Lispector foi escritora,
repórter, jornalista, entrevistadora e pintora. Ela pintou vários quadros
em madeira, respeitando as nervuras da matéria, mas mantendo sempre a liberdade
de criar. Destaquei de seu conjunto de obras o quadro “Explosão”, de 1975, com
a intenção de ilustrar a intertextualidade existente entre seus contos,
romances e pinturas.
Nesse quadro - “Explosão” - Clarice jogou um vidro de esmalte vermelho berrante sobre a madeira. Três manchas vermelhas são o núcleo das rebentações e desses núcleos nascem rápidas pinceladas em preto e amarelo.
Segundo Olga Borelli (1981) Clarice descreveu esse quadro da seguinte maneira: “Quero escrever o borrão vermelho de sangue com as gotas e coágulos pingando de dentro para dentro. Quero escrever amarelo-ouro com raios de translucidez. Que não me entendam pouco-se-me-dá. Nada tenho a perder. Jogo tudo na violência que sempre me povoou, o grito áspero e agudo e prolongado, o grito que eu, por falso respeito humano, não dei. Mas aqui vai meu berro me rasgando as profundas entranhas de onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundo com o terremoto causado pelo grito.”
“Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. ...- tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. ... Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver”.
“Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa(...) quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já. Só no ato do amor – pela límpida abstração de estrela do que se sente - capta-se a incógnita do instante que é duramente cristalina e vibrante no ar e a vida é esse instante incontável, maior que o acontecimento em si: no amor o instante de impessoal joia refulge no ar, glória estranha de corpo, matéria sensibilizada pelo arrepio dos instantes – e o que se sente é ao mesmo tempo que imaterial tão objetivo que acontece como fora do corpo, faiscante no alto, alegria, alegria é matéria de tempo e é por excelência o instante. E no instante está o é dele mesmo. Quero captar o meu é. (...) Meu tema é o instante? meu tema de vida. Procuro estar a par dele, divido-me milhares de vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos – só me comprometo com vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim”.
Clarice buscou, incessantemente,
sentir a presença de vida em seu interior. Principalmente, quando já estava
aproximando-se da morte. Ela escreveu, concomitantemente, o romance belíssimo
“A hora da Estrela” (1977) e “Sopro de Vida” (1978).
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.”
Denise L. Rosado Antônio
Psicanalista, Membro efetivo da SBPRP
A Psicanalista Denise L. Rosado Antônio será uma das palestrantes durante o evento de Psicanálise & Literatura – Clarice Lispector: Inquietações do inacessível que será realizado pela SBPRP no próximo dia 19 de outubro.
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